sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Às vezes palavras não são necessárias

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Sentada em sua cadeira, frente à psicóloga, seu único pensamento coerente era "isso não se parece nada com um divã." Não era uma surpresa, afinal já havia estado em terapias antes. Claro, aos 10 anos era possível colocar os dedinhos finos nos cantos das poltronas e encontrar todo o dinheiro que outros bolsos haviam derrubado, quem sabe, pelos últimos dez anos. E ela se perguntou quão estranho seria se procurasse dinheiro nestas poltronas de agora. Por precaução, segurou as mãos com força. Remexia vez ou outra, tentava largar, secava as lágrimas, olhava para baixo e pegava de novo.
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(leia esse trecho com o triplo da velocidade normal) "Vocêsestãoprontas? Colocaojaleco,pegaumafolha,vocênãodeveriaestardetênis,vamos!" (pronto, pode parar) E sairam as 7 correndo atrás do professor no meio de um ambiente estranho e um tanto quanto hostil: o hospital. Entraram em um quarto a tempo de ouvi-lo falar ".. e estas duas moças conversarão com o senhor" para um paciente. Todas imediatamente deram um passo para trás. Seus olhos diziam que cada uma delas estava desesperadamente desejando que não fosse com ela; ou que se fundir à parede fosse uma opção válida. Não era.
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"Você viu quanto eu tirei?" Claro que eu sabia que ela tinha visto, afinal ela sabia da minha preocupação. "3,5". E então eu parei. De pensar, de ser lógica (se é que alguma vez já fui), de ouvir, de estar ali. Meu coração na boca, meu cérebro gritando comoissofoiacontecer? e a decepção estampada na cara. Olhos brilhando de lágrimas, mirando o horizonte inexistente naquela sala repentinamente pequena demais. Tentei substituir o sofrimento por dor, mordi os lábios. Talvez só estivesse tentando segurar o choro na garganta. Olhos no horizonte e lábio inferior sendo mordido = preciso mas não quero chorar. De um lugar muito distante de onde eu estava, ouvi: "Quer conversar lá fora?" Sem uma palavra, saí.
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A primeira vez foi terapia em família. A criança fazia casinhas enquanto os pais falavam. Semi-casinhas, na verdade. Elas nunca ficavam prontas. Ela nunca tinha nada últi para falar. No último dia, quase no fim do tempo estipulado, a psicóloga perguntou se ela queria falar alguma coisa. "Primeira vez que eu termino minha casinha." Então estava pronta. Dias sem fim de conversas, mas a estrutura estava pronta. E então disseram que estava sem janelas, e todos se juntaram para abrir janelas sem derrubar nada. Talvez a criança tenha sempre precisado de alguém para abrir as janelas.
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Estava feliz aquela hora. Um sofrimento a menos em sua vida. Correu para uma consulta que não sabia se queria ir. Sem planejar o que falar para a psiquiatra. Feliz pela pequena chuva do caminho. Chegou, sentou, falou mais do que estava acostumada nos tempos atuais. Até fez piadas. Foi sincera, ouviu com um sorriso no rosto. Olhou nos olhos.
"Você acabou de descrever depressão"

* outras vezes, simplesmente descrevem sentimentos que não se consegue demonstrar.*