terça-feira, 15 de novembro de 2011

Estrelas-vida

A pequena menina, de olhos muito azuis, ergueu os bracinhos com docilidade, apontando para o céu. A mãe segurava-a pelo quadril, observando seus movimentos de criança, cheia de amor e sorrisos redondos, sorrisos cor de mãe.
- Mamãe, quem mora lá? - disse, de repente, o dedinho estirado apontando o céu cheio de estrelas pontudinhas e redondas, céu de fazenda, céu de vaquinha, céu que gente raramente vê. Céu redondo, azul, vivo, mais vivo que muita gente.
- Menina, não aponte a estrela que cresce verruga no seu dedinho! - disse a mãe, sorrindo sorrisos surdos, sorrisos repletos, sorrisos céu que não se vê.
A menina olhou para o próprio dedo e então encarou a mãe, desconfiada. Abraçaram-se e sorriram, cócegas aqui e ali, gargalhadas de criança, sons gostosos para acompanhar o cantar dos grilos e dos sapos. Então a pequena ficou séria e voltou a encarar as estrelas.
- Mamãe, quem mora lá? A gente pode falar com quem mora lá?
- Mora nas estrelas? - a mãe olhou-a, pensativa. - Acho que ninguém, minha princesa.
- Ninguém? Por que não mora alguém lá, mamãe, se tem tanto espaço?
A mãe olhou-a, absolutamente sem resposta. Olhou as estrelas, em sua imensidão incabível, imensidão imensa, imensidão azul de desconhecido. Todos aqueles pequenos e muitos sorrisos redondos, sorrisos de mãe, estrelas-sorriso a brilhar. Mãe sem filhos? Podia ser? Tantas e tantas mães sem filhos?
Suspirou. A filha, a pequena filha, de pouco tempo de vida, estava certa. A pequena, de olhos azuis, azul sabedoria, azul simplicidade, azul criança sem pré-conceitos conseguia enxergar muito além, muito mais longe que ela, calejada pela rotina, amarrotada pelo dia-a-dia do não pensar. Então acreditou. Acreditou em um Deus generoso, capaz de criar toda a vida que conseguisse. Acreditou em um universo lindo, cheio de filhos, muitos filhos, a brotar vida em muitos jardins de tantas tantas tantas cores e formas e cheiros que seria incapaz de sequer imaginar. Acreditou na força da vida, a maior força que conhecemos, e imaginou-a rompendo barreiras que carregamos em nossos espíritos, como se detentores fôssemos de todas as verdades.
- Moram muitas coisas, minha querida. Tantas quanto você conseguir imaginar. Tantas quanto a criatividade de Deus permitiu criar.
A menina olhou-a e sorriu, satisfeita. Sorrisos estrela, muitos, a vagar pelo céu. Sorriso vida, muitas, a vagar pelo universo.

terça-feira, 25 de outubro de 2011

ETs, eles já estão entre nós

  Estávamos conversando sobre extraterrestres, nestes dias em que o mundo parece que está acabando (vulgo hoje). Chovia até terra do chão, se é que você me entende. Ventania, céu escuro, raios cortando o negro. A luz pisca uma vez. Pisca outra. Acaba. Praticamente um código morse. Conversa vai, conversa vem, discutimos artigos científicos, terminamos a reunião. Sim, no escuro.
  Imagina andar num chão irregular, com galhos, água, buracos, animais. Agora imagina que você não está enxergando nada. Agora imagina que você acabou de ter uma conversa séria sobre ETs. Agora imagina que você chega em casa, descobre que não tem ninguém e que, surpresa!, não tem luz lá também.
Futuro fail, to pronta para ser abduzida.
  Eis que surge o questionamento. Lets supose que apareça um ET em sua vida e que ele queira conhecer seu mundo: o que você sabe? Geografia zero; como se não bastasse não saber falar sobre o assunto, também não saberei guiá-lo para nenhum ponto histórico. História? Dois e meio. Até sei vagamente sobre a história do mundo, idade antiga e média vá lá, mas nada de detalhes, localizações e relações políticas, o que atrapalha um pouco, se considerarmos que vivemos em uma sociedade relativamente politizada para sobreviver. Física pode esquecer. Eu gosto, eu era boa na escola, até calculo a força de impacto e instante que aquele carro me atingirá se eu correr para o meio da rua; mas do ponto de vista de astrofísica, partículas e etc, já era.
 A questão é que eu seria inútil como guia turística do planeta, nem teria assunto para conversar, o que é triste. E pior!: supondo que no mundo restasse apenas eu e meu amigo ET acredito que eu teria que implorar para ser abduzida. Não sei controlar uma hidrelétrica para fazer luz, não sei fazer comida industrializada, não entendo de engenharia, economia, agronomia. Pior: não sei nem fazer sabonete! Deixa o mundo nas minhas mãos e eu escrevo um livro a respeito. Provavelmente sobre o fim do mundo. Provavelmente na areia, porque não haveria mais ninguém para ler mesmo.
 Somos tão pequenos e inúteis. Tão dispensáveis. Para falar a verdade, se eu fosse um extraterrestre nem me daria ao trabalho de passar por aqui.

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

dilema

O barulho me faz bem. Abafa as vozes que gritam dúvidas na minha cabeça. Quisera eu ter vozes que gritassem verdades, mas sou um poço de perguntas sem respostas. Minto, tenho algumas respostas, algumas convicções, mas acredito que as mais inabaláveis são apenas mentiras reconfortantes. Ou virão a ser. Quanto mais respondo mais pergunto, quanto mais pergunto mais me frustro por não ter soluções. Ou sequer saídas...
O barulho me dá uma dor de cabeça fenomenal. Dessas que me levam a tomar remédio: eu, que mal tomo xarope para gripe.
O silêncio, então, me faz bem. Descansa a cabeça de tanta poluição, alivia a dor.
O silêncio me faz refletir sobre minhas percepções, meus erros, minhas convicções, meus medos, minhas aversões. E quando reflito busco soluções. E isso me dá uma dor de cabeça que só o barulho consegue encobrir.

"caminhando e cantando e seguindo a canção"

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

devaneio

 100km/h, passageira da moto, capacete largo tentando fugir da cabeça, blusa larga querendo levantar, coração apertado batendo mais forte. Uma mão segura na moto, a outra pesa os prós e contras do dilema e acaba por proteger a cabeça.
 Mais difícil do que saber que outras pessoas poderiam estar vendo essa semi-nudez abdominal inevitável, foi deixar o coração no asfalto.

sábado, 27 de agosto de 2011

Qual o seu maior sonho?

 A primeira vez que descobri que conseguia controlar alguns dos meus sonhos, desejei dormir para sempre. De olhos fechados tinha tudo o que gostaria de ter, meus medos e tristezas podiam ser colocados em uma caixa com um nome pomposo que seria colocada nas mais profundas cavernas do meu universo paralelo, e lá ficaria protegida por todos os poderes que minha imaginação conseguisse criar. O problema é que a gente sempre acorda. Não existe sonho que dure para sempre, e o mesmo vale para a vida real. Saí perguntando para as pessoas sobre o maior sonho delas, e várias me deram a mesma resposta: "por um bom tempo foi passar no vestibular... agora não sei mais."
 A graça de estar acordada, no entanto, é que você corre o risco dos seus sonhos serem realizados. Melhor do que isso, pode-se criar os riscos, se é que você me entende. E talvez você não seja tão poderoso, bem resovido ou protagonista do mundo quanto poderia ser dormindo, mas certamente haverá pessoas reais para reconhecer você por você mesmo; o que faz a falta de controle e de magia até valer a pena. Você pode sonhar em ganhar o Oscar de melhor filme e melhor direção e lutar para que isso aconteça. Afinal, o maior prazer de ganhar está em se sentir recompensado pelo que fez. O momento em si não é nada.
 E agora que você teve tempo para pensar: e aí?, qual o seu maior sonho? Eu deveria ter pensado nisso antes de sair perguntando, pois também não sabia responder... Engraçado que as pessoas que acreditam que seus sonhos são bobos, são justamente aquelas que tem a resposta, que sabem exatamente o que sonhar e que tem mais chances de conseguir. Não é bobo querer arranjar uma namorada, querer se realizar profissionalmente, sendo a melhor naquilo que escolher, querer ao menos saber o que escolher, terminar a faculdade de engenharia civil e construir a própria casa. Eu, na verdade, acho lindo. O velho clichê 'plantar uma árvore, escrever um livro e ter um filho' é um fórmula resumida de felicidade. Bobo é deixar a vida passar sem sonhar.
 Algumas vezes temos aquele sonho do momento, voltar a ser como antes (psicologicamente falando), outras temos um planejamento completo de vida que inclue amar e ser amado, trabalhar no que gosta, ganhar dinheiro e viajar pelo mundo. American fucking way of life. Não deixa de ser um plano. Tirando a pessoa que me disse que sonha em ter um dinossauro, acho que tudo pode se realizar, até mesmo abrir uma escola ou casa ou afins para crianças de rua. E a esperança já basta para compensar todas as complicações que estar acordado nos traz.
"…depois de eu ter descoberto como todas as coisas que temos que fazer somem com o nosso tempo, o meu maior sonho é ter tempo para poder fazer as coisas que gosto". - Denis
 E se você achou a pergunta difícil ou até agora não sabe responder, fica a reflexão que o Pooh ouviu por aí: "o ser humano é um animal que, se lhe for permitido escolher 99 de 100 caminhos, passará o resto de sua vida imaginando como seria se tivesse escolhido o outro"

PS: tudo que está grifado foi de fato dito por algum dos meus amigos
PPS: meu sonho é ter uma casa com uma árvore com flores amarelas no quintal e um cachorro para morrer do meu lado.

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Os conhecidos que não me conhecem...

Viu-os, com olhos grandes, pretos e redondos, faiscantes com a vida que despertava enraivecida dentro dela. Respirou, pensando em explicar-se mais uma vez. Desistiu. Estava cansada das pessoas que achavam que a conheciam. Como poderiam, se nem ela havia conseguido tal proeza? Inspirou com a profundeza de seus sentimentos, suas reflexões covardes que apareciam e corriam dela antes de fazerem-se claras.
Não, ela não gostava mais daquilo. Já participara de muitas coisas, conhecera muita gente, fizera amigos e dera muitas risadas em outros momentos, que ela amava com todas as forças, mas que já não eram seu presente. Não queria dormir no chão ou não dormir, tinha preguiça de pessoas histéricas, não dava nem um décimo da importância que todas aquelas pessoas de almas jovens davam a uma competição, qualquer que fosse. Não combinava mais com aquelas coisas e tinha preguiça. Tinha inveja, também, daqueles que amavam todas aquelas coisas com simplicidade e emoção, cabível aos inocentes. Invejava sua devoção, seu aproveitamento simplório daqueles momentos de vida, sua felicidade fácil e livre. Era muito mais complicada que eles e não se orgulhava disso.
Mas essa era ela. Ela. E sim, seus olhos pretos e sua cara de eventual mau humor não precisavam que as pessoas lhe dissessem "você vai se arrepender!". Como, por Deus, poderiam saber? Alguém ali morava em seu coração, visitava suas entranhas, via sua alma? Alguém ali arrepiava-se com livros bons, chorava em desenhos de urso, morria de saudades de um gato branco e decrépito? Alguém ali lembrava com muito muito muito carinho de uma tarde de autógrafos em um tempo próximo, que fora uma das melhores tardes de sua vida? Alguém adorava cheiro de gasolina, de chuva, de cachorro quando toma banho, de casa limpa, de casa de mãe? Alguém ficava com os olhos estalados quando a chuva caía lá fora, hipnotizada pela força e grandeza daquela água mágica, vinda do além? Alguém sim. Ela. Ela, em suas esquisitices únicas, suas multi-caras, seus humores mutantes. Ela, que não se entendia e não se conhecia tão bem quanto gostaria, mas sabia-se única e desigual, como cada uma das pessoinhas sobre a Terra.
Sorriu, quando alguém, muito velho, ou que se sentia muito velho, alegou que ela ainda era nova e que um dia ia sentir saudades de poder ir àquelas competições, e teria vontade, mas não poderia. Respirou, tentando imaginar o que aquele cara sabia da vida, de sua vida. Sorriu, satisfeita em apenas sorrir.

domingo, 7 de agosto de 2011

Os pacientes somos nozes

 Por um breve momento acreditei seriamente que aquele cara estava usando a filha como desculpa para soltar pum no hospital. Sozinho, com o bebê no colo, perto da janela, longe das pessoas, emitindo sons muito semelhantes ao incômodo supracitado. Aquela velha história de que onde tem crianças e cachorros adulto nunca peida. Meu comentário mental caiu na máxima americana "get a bathroom" ou algo assim. Esse é o tipo de gente que encontro no segundo andar.
 No primeiro andar todos os pacientes são alunos e funcionários do hospital, que esperam pacientemente pelo elevador cheio e lento para chegarem onde precisam. Eu vou de escada, subir lentamente e chegar antes que todos eles em qualquer andar. Mas sempre que vejo uma pessoa saindo da porta do terceiro andar fico me perguntando se é alguém da psiquiatria fugindo. Afinal, deve haver um motivo para esse ser o único andar cuja porta fica sempre fechada.
 O quarto andar ainda não existe para mim, mas o quinto é meu maior destino. Foi lá que me deparei com aquela pessoa que toma 4 garrafas de cachaça por dia. No resto do dia ele faz xixi, porque, né?, vamos combinar: quem é que bebe sequer 4 garrafas de água por dia?!
 E foi me fazendo essa pergunta e olhando para fora que encontrei uma pessoa no telhado. Com mochila nas costas e tal, tinha cara de fugitivo. Não satisfeito em me surpreender, o mundo decidiu me mostras mais uma pessoa em cima do telhado, indo atrás da primeira. Um comparsa, por certo. Depois outra e depois outra. Elaborei 3 hipóteses perfeitamente plausíveis:
1. tem uma galerinha grande e preciosa que não curte hospital e tá fugindo dos médicos
2. algumas pessoas tem muita preguiça de dar a volta nos estabelecimentos e criaram um caminho alternativo que consiste em passar por cima de qualquer obstáculo
3. talvez eu devesse ficar mais tempo no terceiro andar...

quarta-feira, 6 de julho de 2011

Mulan

 Eu não sou desse tipo de gente que recebe recado divino ao nascer. Ninguém me mandou ser gauche na vida, ninguém decretou que eu tava predestinada a ser errada assim, ninguém disse desce e arrasa. Quando nasci não ganhei nem um parabéns, é uma menina. Pessoas normais diriam que isso é pefeitamente ordinário, é apenas um sinal de que eu não posso ser escritora, cantora ou protagonista de um filme e qualquer extravagância minha é fruto de leite batizado. Talvez elas tenham razão... e eu devesse parar de tomar leite antes de dormir.
 Esta noite eu fui a Mulan: um mulher se fingindo de homem para guerrear no lugar do pai. Eu era boa, e eu cantava, pode crer. Desempenhava meu papel com tanta destreza que fui escolhida para matar 3 javalis selvagens (que tentavam destruir nosso acampamento) na companhia do príncipe Cáspian (sim, de Nárnia). Tudo que eu tinha era uma flecha, que muito habilmente acertei numa região nem um pouco fatal do primeiro javali. Sabe aquelas cenas de filme em que o tempo para, as cabeças viram lentamente, e a próxima cena de ação-com-possível-desfecho-da-história acontece? Foi o javali olhando para mim e se preparando para o ataque. Corri para uma sala de aula perguntando quem tinha uma faca. Uma faca, uma faca, por deus, vcs são guerreiros, sejam rápidos!!! E os guerreiros lentamente procurando um faca, até que eu me jogou uma no exato instante necessário para cortar o pescoço do javali.
 O segundo foi morto pelo príncipe Cáspian, em situações que eu nãoo pude presenciar. Talvez ele tenha sonhado com isso... em minha próxima viagem a Nárnia lembrarei de perguntar.
 O terceiro javali era sinistro. Desses que andam em duas patas e tiram uma bazuca da bolsa a tiracolo. Ele mirou a bazuca em nossa direção e atirou no exato instante em que jogamos nossas facas em sua direção. Até agora não sei bem se ele morreu pelo coice da arma ou se a faca acertou. O detalhe importante do sonho é que eu, obviamente, fugi do tiro da bazuca com alguns arranhões, manchas de carvão na cara e um pé quebrado.
 Lentamente fui tomar banho escondida no lago (ninguém podia saber que eu era mulher, lembra?) e depois encontrar meus amigos para tomar sorvete, o que na verdade era uma enganação, pois o real intuito do encontro era ouvir sermão do meu pai por tentar bancar a heroína e ter deixado meus tênis molharem. Tudo isso numa casa incrivelmente grande e bem mobiliada de um japonês que expulsou o filho de casa por este ter tentado guerrear.

 Eu posso não ser nada esplendoroso... mas tenho dificuldades de me ver como ordinária. Esse lance de batizado mexe comigo...

quinta-feira, 7 de abril de 2011

Estupidez federal

 Final de ano todo mundo num clima vermelho e branco de mãos dadas nas ruas cantando "e então é natal, oq vc fez?". Tirando a cena com cara de globo de neve, fica a pergunta. E então? Então as pessoas respondem fácil: dei meu lugar no ônibus para uma grávida, ajudei uma velhinha a atravessar a rua, doei dinheiro pra caridade ou passei de ano. Esse último sou eu. É, eu passei de ano. Mas a pergunta séria, que todo mundo deveria se fazer algumas vezes na vida, é: e então você é adulto, oq vc fez? E a última resposta esperada de um ser humano qualquer deve ser "entrei armado em uma escola e dei tiros na cabeça de crianças". Sério, cara, o que você fez?!
 A tragédia do Rio me chocou. Criou altas reflexões, até mesmo sobre as implicações psicológicas na vida das crianças sobreviventes. Fazer uma escola ser divertida é tenso. Fazer uma escola ser divertida para uma criança que assistiu múltiplos assassinatos na última aula chega a ser tortura.
 Recentemente comecei a ouvir a expressão "explica, mas não justifica". Nada justifica oq esse moço fez. Minto, caso ele tenha vindo do futuro para impedir a morte da humanidade pelas mãos daquelas crianças esse episódio foi apenas um ato de legítima defesa. Eu, particularmente, duvido que isso seja real. Portanto, nada justifica. A pergunta que não quer calar é: então oq explica? Essa vou deixar no ar, não sei responder. Mas o que me deu arrepio na espinha não foi isso. Isso foi o choque e uma expressão de inconformada. Me deu arrepio e me encheu os olhos de lágrimas saber que algumas crianças mais velhas deitaram em cima de outras mais novas para proteger. Graças a Deus quando o mundo me dá motivos para acreditar que a sociedade está perdida surge alguém para falar que é pegadinha e ainda há esperanças.
 Outra grande droga que esse crime fez foi ofuscar o caso do menino em Goiás que confessa ter matado a namorada de sua irmã (sim, vc leu certo). Pura homofobia, que seria muito bem vinda nesse quadro atual de discussão da criminalização da homofobia no Brasil. Preconceito é um crime que pode culminar nessas merdas. A lógica para encarar o homossexualismo é simples, deixa eu explicar: ninguém precisa gostar, ninguém precisa ser forçado a ser, ninguém precisa sequer aceitar; mas precisa respeitar. Não gosto de homofobia tanto quanto não gosto de homossexual que não respeita a heterossexualidade dos outros (sim, isso existe, embora eu não veja com grande frequência).
 Fica aí uma descontração: Cientistas encontram esqueleto do que seria um homem pré-histórico homossexual (Estadão). Os esqueletos podem, os golfinhos podem, até o Nemo pode.
 Eu só desejo a paz mundial (Miss Simpatia).

PS: a teoria do Nemo é simples. Peixes palhaços mudam de sexo quando vivem com outro peixe palhaço do mesmo sexo. O que, pasmem, é exatamente a situação do Nemo com o pai dele. O pai dele, no entanto, já teve a mãe dele, enquanto o Nemo não teve ninguém. Deixo pra vcs a conclusão de quem mudou de sexo.

sexta-feira, 1 de abril de 2011

Quatro mãos brancas, um céu azul

Céu azul, azul alegria, azul leveza, azul verão. Pássaros cantavam, tons alegres e repetitivos, tons vida de pequenas gargantas, inocentes e felizes. Felicidade quase tangível de uma sacada aberta, meio de tarde de março, nuvens acumulando-se ao longe, vento suave a sorrir. Carros carreando abaixo, buzinas, cantoreios mecânicos de corações metálicos, inocentes e felizes. Mãos brancas, contorcendo-se, apagadas, mudas, gritando por socorro, dor calada de quem sabe. Mãos brancas agarrando o parapeito, desespero e agonia, perfusão escassa daqueles que perderam a inocência e sabem. Cachorros dorminhocos, embaixo dos bancos da praça, sonhando e se remexendo, famintos e satisfeitos em seus sonhos de preás, focinhos focinhentos, inocentes e felizes. Olhos desesperados, ora muito serenos, daqueles que perderam tudo e têm tudo, sabem demais e sabem. Cabelos escuros ao vento, que carrega as lágrimas profundas e muito rasas, doloridas e sem sentimento, lágrimas que sabem. Tudo e nada tocando-se no horizonte com dor e alegria. Vida, dia-a-dia, amor e indiferença. Hino de decência prendia-a ali, pés nos azulejos frios da sacada branca a engolí-los. Hino de decência. Inocência? Perdera-a, como perdera o mundo.
O mundo? Um dia, sorrira a ela. Mas era um dia distante, tão distante que parecia sem sentido, parte de uma vida que secara junto das folhas de sua parreira no outono. Ainda sorria, escarnecendo de seu desajuste. Olhava-a e ria dela, tão gigante em uma casinha de baratas, tão pequena a trombar nas pernas dos adultos. Ria dela como riam, sem dó, todos os inocentes e felizes, que não sabiam. Era antinatural. Não cabia mais ali. Não conseguira encontrar, como todos esperavam que consguisse, um lugar ali, uma cama que não lhe expusesse os pés ou não fosse dura demais. Era cachinhos negros em uma casa de ursos que lhe devoravam a alma com mingau. Não havia ali lugar para ela. Não mais.
Os outros? Desligara-os. Não importava-se mais. Simplesmente não conseguia conviver consigo mesma, presa a uma alma quebradiça e sem brilho. Odiava as fotos de sua sala, momentos e sorrisos congelados que não voltariam mais. Almas que não sabiam, como a sua. Almas que não percebiam. Almas prontas, encaixotadas, felicidade instantânea de mingaus em 3 minutos. Onde estava aquela das fotos? Onde estava? Perdera-se em um caminho longo e desgastante. Sentia-se ingrata, mimada, imbecil. Perdia-se em uma dor tão desajustada quanto ela, sem motivo, razão ou destino. Mas não suportava. Faltava-lhe o mundo.
O mundo? Tinha-o. Tinha tudo. Carinho, dinheiro, inteligência. Família, amigos, cachorros. Estava tudo ali. Tudo? Como ursos a observar a jovem garotinha a engolir veneno, em uma cadeira grande para adultos. Como os pássaros, o vento, as nuvens. Inocentes e felizes.
O mundo? Abandonara-a. Esvaira-se dela, como lágrimas rebeldes, teimosas, que fogem feito labradores amarelos, correndo atrás de bolas. Escorrera de suas mãos pálidas, que agora tremiam, a espera. Deixara-a vazia, oca como uma grande tigela, que antes carregara mingau saboroso, mas agora jazia junto a louças sujas, rodeadas de moscas, pequenos urubus.
A campainha tocou e seus olhos vermelhos correram até a porta. Não precisou abri-la. Ali estava ela, como sempre esperara vê-la. Toda de preto, o sorriso de esqueleto, quente e amigável, mãos de ossos muito ternas e compreensivas. Olharam-se longamente, partilhando a tristeza de um momento que aguardava, suspenso. Deram-se as mãos, brancas, plácidas, agora dois pares de mãos serenas. Os carros aproximaram-se muito rapidamente. Arrependeu-se por um mínimo instante. Deixou de sentir no seguinte. Estava livre. Como os cachorros, os pássaros e o vento. Como a sacada alta que deixara para trás.
Céu azul, azul alegria, azul leveza, azul verão.