quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Os conhecidos que não me conhecem...

Viu-os, com olhos grandes, pretos e redondos, faiscantes com a vida que despertava enraivecida dentro dela. Respirou, pensando em explicar-se mais uma vez. Desistiu. Estava cansada das pessoas que achavam que a conheciam. Como poderiam, se nem ela havia conseguido tal proeza? Inspirou com a profundeza de seus sentimentos, suas reflexões covardes que apareciam e corriam dela antes de fazerem-se claras.
Não, ela não gostava mais daquilo. Já participara de muitas coisas, conhecera muita gente, fizera amigos e dera muitas risadas em outros momentos, que ela amava com todas as forças, mas que já não eram seu presente. Não queria dormir no chão ou não dormir, tinha preguiça de pessoas histéricas, não dava nem um décimo da importância que todas aquelas pessoas de almas jovens davam a uma competição, qualquer que fosse. Não combinava mais com aquelas coisas e tinha preguiça. Tinha inveja, também, daqueles que amavam todas aquelas coisas com simplicidade e emoção, cabível aos inocentes. Invejava sua devoção, seu aproveitamento simplório daqueles momentos de vida, sua felicidade fácil e livre. Era muito mais complicada que eles e não se orgulhava disso.
Mas essa era ela. Ela. E sim, seus olhos pretos e sua cara de eventual mau humor não precisavam que as pessoas lhe dissessem "você vai se arrepender!". Como, por Deus, poderiam saber? Alguém ali morava em seu coração, visitava suas entranhas, via sua alma? Alguém ali arrepiava-se com livros bons, chorava em desenhos de urso, morria de saudades de um gato branco e decrépito? Alguém ali lembrava com muito muito muito carinho de uma tarde de autógrafos em um tempo próximo, que fora uma das melhores tardes de sua vida? Alguém adorava cheiro de gasolina, de chuva, de cachorro quando toma banho, de casa limpa, de casa de mãe? Alguém ficava com os olhos estalados quando a chuva caía lá fora, hipnotizada pela força e grandeza daquela água mágica, vinda do além? Alguém sim. Ela. Ela, em suas esquisitices únicas, suas multi-caras, seus humores mutantes. Ela, que não se entendia e não se conhecia tão bem quanto gostaria, mas sabia-se única e desigual, como cada uma das pessoinhas sobre a Terra.
Sorriu, quando alguém, muito velho, ou que se sentia muito velho, alegou que ela ainda era nova e que um dia ia sentir saudades de poder ir àquelas competições, e teria vontade, mas não poderia. Respirou, tentando imaginar o que aquele cara sabia da vida, de sua vida. Sorriu, satisfeita em apenas sorrir.

Um comentário:

  1. Talvez não se conhecer seja exatamente quem você é. Tenho certeza de que se um dia eu soubesse exatamente quem eu sou, automaticamente eu já seria outra pessoa. Talvez ainda mais problemática. Eu não suporto essas certezas todas que as pessoas tem sobre a vida dos outros, sendo que nem a minha eu consigo prever.
    Mas olha só, eu me arrepio com livros bons, eu choro com "Irmão Urso", adoro cheiro de gasolina, de chuva, de cachorro quando toma banho, de casa limpa e de casa de mãe e quando a chuva cai fico simplesmente fascinada e refletindo que aquelas luzes borradas são exatamente as mesmas que vejo quando choro. E é incrível uma coisa tão externa representar um sentimento tão externo que eu fico com dificuldade tentando exteriorizar.
    Me empolguei.
    Beijos.

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